A proteção jurídica da propriedade intelectual através de patentes na União Européia

Artigos | 17/04/2013

CAMILLA CAPUCIO[1]

 

RESUMO

 

O presente trabalho objetiva analisar os principais sistemas de proteção da propriedade intelectual através de patentes coexistentes na União Europeia, tendo como perspectiva a instituição de uma patente comunitária. É brevemente delineada a proposta da patente comunitária unitária e autônoma, possível através da simbiose com o sistema até então vigente da patente europeia, instituída pela Convenção de Munique sobre a patente europeia, e a unificação do sistema jurisdicional e linguístico referente ao tema. Por fim, se chega ao estágio atual da temática na União Europeia, com o aparente fracasso da proposta da patente comunitária unitária e o estabelecimento de uma cooperação reforçada neste domínio.

 

PALAVRAS-CHAVE: UNIÃO EUROPEIA – PROPRIEDADE INTELECTUAL - PATENTE COMUNITÁRIA – “PATENTE EUROPÈIA DE EFEITO UNITÁRIO”

 

ABSTRACT

 

This paper aims to analyze the main systems of protection of intellectual property through patents coexisting in the European Union, bearing in mind the proposal of a community patent. It is briefly outlined the proposal of a community patent, unitary and autonomous, that would be possible through the symbiosis with the current european patent system, established by the European Patent Convention, and the unification of the judicial system and the language regime. Finally, we reach the current stage of this proposal in the European Union, with the apparent failure of the proposal and the establishment of an enhanced cooperation in this field.

 

KEY-WORDS: EUROPEAN UNION - INTELLECTUAL PROPERTY  - COMMUNITY PATENT – “EUROPEAN PATENT WITH UNITARY EFFFECT” - INTELLECTUAL PROPERTY

 

 

"Nós escrevemos o prefácio de um livro que vai se abrir e que não será fechado se não após longos anos"[1]



[1]              Frase histórica pronunciada pelo Presidente da Conferência de Paris de 1880, que se apresenta atual ainda hoje no que se refere ao desenvolvimento de mecanismos de proteção da propriedade intelectual, iniciado com a Convenção de Paris de 1883, resultado de tal Conferência.

 



[1] Advogada e Professora. Doutoranda em Direito Internacional (USP), Mestre em Direito Internacional Econômico (UFMG).

 

1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

 

1.1. Introdução: a tutela da propriedade intelectual

 

No contexto de uma sociedade internacional com modelo desenvolvimentista-tecnológico ancorado na inovação, um adequado sistema de proteção da propriedade intelectual é requisito básico para se alcançar a competitividade comercial e a consolidação da soberania. A implantação de um efetivo sistema de patentes na União Europeia surge neste quadro como prioridade política, buscando o aumento de competitividade de suas empresas e a convergência do crescimento econômico de seus Estados membros.

O presente trabalho objetiva a análise do contexto normativo dos sistemas de proteção à patente existentes na União, tendo em vista sua evolução histórica e as dificuldades e perspectivas de um sistema comunitário de patentes. O trabalho se justifica principalmente pelo fato de se tratar de tema essencialmente necessário à integração produtiva entre os Estados, mas que somente foi objeto de avanço concreto no processo de unificação de seu tratamento jurídico recentemente.

Embora seja tema de relevância aos estudiosos da propriedade intelectual, poucos são os autores nacionais que se debruçam especificamente sobre este tema, em recente evolução, motivo pelo qual a pesquisa se baseia essencialmente em fontes primárias, ou seja, em documentos, acordos e convenções sobre a matéria. A metodologia do trabalho se baseia, pois, na pesquisa teórica, através do procedimento prioritário de análise de conteúdo destas fontes primárias. [1]

Diversos são os Tratados Internacionais que regulamentam a proteção à propriedade intelectual através de patentes. Trazemos à baila aqueles mais relevantes, objetivando o tracejar de uma linha histórica e a contextualização da posterior discussão da patente comunitária.

 

1.2. Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial

 

A Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 1883 figura como o mais antigo acordo econômico multilateral vigente, estabelecendo regras básicas para a proteção da propriedade industrial. Apesar de sua antiguidade, o texto da Convençãocontinua atual, haja vista o fato de que o numero de Estados signatários dobrou nas últimas décadas[2], alcançando a marca de 173 partes contratantes em 2010.

A Convenção possui três clausulas principiológicas, que estabelecem obrigações mandatárias. A primeira delas estabelece a prioridade unionista, vale dizer, a regra pela qual as patentes obtidas com o benefício da prioridade gozarão, nos diferentes países signatários, de duração igual àquela de que gozariam se fossem pedidas ou concedidas sem o benefício da prioridade. Em seguida, temos o principio do tratamento nacional que garante aos nacionais de cada um dos países signatários o direito de gozar nos outros Estados signatários, no que se refere à proteção da propriedade industrial, das vantagens que as leis  respectivas concedem atualmente ou venham a conceder no futuro aos seus próprios nacionais. Por último, observamos o principio da independência das patentes, pelo qual as patentes requeridas nos diferentes países signatários serão independentes das patentes obtidas para a mesma invenção em outros países, membros ou não da Convenção.

Desde o início a Convenção de Paris previa em seu texto original a celebração de conferências periódicas de revisão a fim de introduzir novos instrumentos destinados a aperfeiçoar o sistema da União de Paris à luz da experiência obtida em sua aplicação prática. Foram realizadas diversas Conferencias para revisão, mas a maioria das alterações serviu apenas para clarificação do texto, não havendo mudanças significativas em relação ao procedimento do pedido de patentes.

 

1.3. Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes

 

O Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT) de 1970 representou o primeiro passo na busca de um efetivo sistema internacional de patentes. O Tratado delineia um procedimento para pedido internacional de patentes, e a partir de um depósito único é possível a validação do pedido de patente em quantos países signatários quanto deseje o depositante.

Através do sistema de cooperação estabelecido pelo PCT, o procedimento para o pedido de patente por este modelo é constituído de uma fase internacional e de uma fase nacional. A fase internacional se inicia com o depósito do pedido internacional, que pode ser feito no próprio órgão oficial de propriedade industrial do país (repartição receptora), seguido da indicação dos países nos quais o depositante deseja a obtenção de patentes (países designados). Ainda na fase internacional do processo, há a busca internacional realizada por repartição nacional ou organização intergovernamental de patentes credenciada junto à OMPI, a publicação internacional realizada pelo Escritório Internacional da OMPI e o exame preliminar internacional realizada pelas primeiras.

Em seguida, inicia-se a fase nacional do pedido de patentes, quando o pedido, já em sua versão traduzida, sofrerá exame de acordo com a legislação nacional e com os critérios de cada país. Assim, embora haja uma análise prévia internacional, que viabiliza inclusive o “estado da técnica” antecipado, o exame efetivo do pedido de patente ocorre domesticamente, através de critérios e pressupostos estabelecidos pelas legislações nacionais.

Salienta-se que o Tratado de Cooperação não interfere, portanto, nas legislações nacionais dos países membros, subsistindo a autonomia dos sistemas nacionais na aceitação e utilização das etapas de busca e exame internacional. Assim, ainda que o depósito via PCT ofereça vantagens tais como a realização de deposito único, a uniformidade de requisitos formais, o antecipado conhecimento do “estado da técnica”, e o adiamento da decisão concreta sobre os países onde patentear e do pagamento dessas taxas nacionais, este sistema não elimina a necessidade de instrução regular do pedido diante dos Órgãos Nacionais de cada país designado. O sistema estabelecido pelo PCT é também ineficaz em relação a países que não são signatários do Tratado, sobre os quais este não tem efeito algum.

 

1.4. Convenção de Munique sobre a Patente Europeia

 

A Convenção de Munique sobre a Patente Europeia de 1973 estabelece um processo único para a concessão da patente europeia, válida no território dos países signatários designados pelo depositante. Além da unificação do processo, a Convenção criou a Organização Europeia de Patentes (EPO), cujas atividades são executadas através do Instituto Europeu de Patentes. O Instituto Europeu de Patentes é composto pela seção de depósito, divisões de pesquisa e divisões de exame, além de diversas seções responsáveis pelo exame das oposições aos pedidos de patente e análise de recursos às decisões em diferentes instâncias.

Uma vez concedida, a patente europeia se transforma em diversas patentes nacionais. Na grande maioria dos países contratantes, é necessário que seja validada internamente através do depósito, na repartição nacional de patentes, de uma tradução da patente concedida na língua oficial do Estado.

Salienta-se que, neste sentido, a patente europeia se diferencia daquela oriunda do modelo PCT. Enquanto na ultima há um depósito e uma etapa internacional seguido do exame realizado nacionalmente, na primeira há apenas um único procedimento, capaz de garantir validade para uma patente no território dos países designados, havendo validação a prescindir de reexame doméstico.

Destaca-se que o sistema europeu adota em seu exame o principio first-to-file, assim como o Brasil e a maioria dos países, pelo qual o primeiro depositante tem prioridade sobre qualquer depositário subsequente. Em contraposição encontramos em alguns sistemas nacionais, notadamente no norte-americano, o princípio first-to-invent pelo qual em casos conflitantes dá-se prioridade ao inventor do objeto da patente, em desfavor do primeiro depositante.

 

1.5.  TRIPS

 

O Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) foi celebrado em 1994 como um dos Acordos anexos ao Protocolo de Marraqueche, que cria a Organização Mundial do Comércio, e determina padrões mínimos para a proteção de direitos de propriedade industrial por parte dos Estados membros da OMC.

Apesar de conferir aos Estados liberdade para legislar internamente sobre a matéria, o TRIPS constitui-se como relevante marco legislativo pois possibilitou a harmonização das legislações de propriedade intelectual dos Estados membros através de suas cláusulas mandatárias que estabelecem standards mínimos de proteção.

 

 

2. DESENVOLVIMENTO

 

2.1. Do sistema europeu em direção ao sistema comunitário

 

Existem atualmente na UE dois sistemas para concessão e proteção da patente que não se fundamentam em nenhum instrumento jurídico comunitário[3]: o sistema europeu, com base na Convenção de Munique e os sistemas nacionais, iniciados através do depósito interno ou do depósito internacional via PCT.

A criação de um sistema comunitário de patentes é tema de discussões e propostas há algumas décadas e, apesar dos pontos intensamente controvertidos, a concretização deste objetivo parecia estar próxima, como explicitação do poder de unificação da União Europeia.

O primeiro instrumento jurídico a promover o conceito de patente comunitária foi a Convenção de Luxemburgo sobre a patente comunitária de 1975, que definia uniformemente os efeitos relativos às patentes europeias solicitadas para o território da Comunidade. No entanto, a Convenção nunca entrou em vigor por falta de países signatários, sendo atribuídos como principais motivos para seu fracasso os altos custos portados pela exigência de tradução em todas as línguas comunitárias e a dependência de tribunais nacionais para a jurisdição de primeira instância.[4]      

A proposta foi retomada em 1989 pela Comunidade Europeia no Acordo em matéria de Patentes Comunitárias, instrumento jurídico abrangido pelo Tratado da UE no seu artigo 352, que tampouco entrou em vigor.

Em 1996 a discussão foi ressuscitada após a publicação do Livro Verde[5] sobre Inovação, que explicitava a necessidade de uma sistema comunitário de patentes para o desenvolvimento daUE no que se refere à inovação e transferência de tecnologia, que culminou com o 1º Plano de Ação para a Inovação de 1997. Neste mesmo ano foi publicado o Livro Verde sobre a Patente Comunitária e o Sistema de Patentes Europeu, documento não-vinculante que traça o quadro do sistema de proteção à inovação e examina a possibilidade de novas ações no domínio. O documento explicita como limitações principais do sistema europeu existente o elevado custo com as traduções para todas as línguas oficiais e as línguas dos países designados para a proteção (de 20% a 40% dos custos totais) e a inexistência de um sistema jurisdicional que garanta a segurança da aplicação uniforme dos dispositivos em decisões internas nos diferentes Estados signatários. Nota-se, assim, que o fracasso da Convenção de Luxemburgo teria se dado exatamente por sua incapacidade de solucionar estas questões.

Em 1999 a Comissão Europeia adotou a Comunicação Promovendo a Inovação através das Patentes, que explicita a necessidade de um adequado sistema de patentes para estímulo dos investimentos em inovação e tecnologia, urgindo os Estados membros a concentrarem seus esforços nas negociações para a criação de uma patente unitária.  A patente unitária, de acordo com a Comissão, seria imprescindível para a maior competitividade da União Europeia no cenário econômico internacional, a correção das distorções do mercado interno em relação ao acesso de consumidores às novas tecnologias e maior transparência das condições de concorrência para as empresas inovadoras.

Foi então apresentada pela Comissão em 2000 a Proposta de Regulamento sobre a Patente Comunitária, objetivando criar um sistema comunitário de patentes que coexistiria com os sistemas nacionais e com o sistema europeu já existente.

 

2.2. A proposta de Regulamento

 

Inicialmente, faz-se mister detalhar a incapacidade do sistema europeu de suprir a necessidade de um sistema comunitário de proteção de patentes. Tal incapacidade se dá não somente pelas limitações daquele sistema, mas principalmente pelo fato de que são estes instrumentos jurídicos que afetam de forma distinta ordenamentos jurídicos diferentes. 

A Convenção de Munique é tratado internacional de cooperação entre os países europeus, que estabelece a patente europeia aplicável apenas por força da lei nacional de cada país. Por conseguinte, embora designadas como europeias, têm em cada Estado estatuto equivalente ao das patentes nacionais. As normas jurídicas sobre patentes podem originar litígios judiciais em cada país signatário e o julgamento de referidas ações separadas pode conduzir à incoerência das decisões judiciais de jurisdições distintas. Ademais, a Organização Europeia de Patentes é uma organização internacional absolutamente independente das instituições da União Europeia e, embora todos os Estados membros da União tenham assinado a Convenção, esta conta também com países extra-comunitários[6].

Dentre os instrumentos jurídicos do ordenamento comunitário, escolheu-se inicialmente como forma para a positivação do sistema de patentes o regulamento, nos termos de sua disciplina jurídica dada pelo Tratado da UE. A utilização do regulamento como forma do ato jurídico proposto se justifica pela direta aplicabilidade no ordenamento de todos os Estados membros, a prescindir da discricionariedade implícita na utilização da diretiva. É necessário um único e claro quadro coercivo para que seja possível o alcance da segurança jurídica na matéria. A proposta de Regulamento não é, entretanto, díspar em relação à Convenção de Munique, vez que aquele visa a complementar esta, se aproveitando inclusive de seu arcabouço institucional e normativo para criar um novo sistema.

A proposta da Comissão foi composta por dois elementos fundamentais. O primeiro é a extensão dos métodos de trabalho da Organização Europeia de Patentes para criar a patente comunitária. O segundo é a proposta de introduzir um mecanismo para assegurar uma forma aceitável de execução da patente comunitária no quadro institucional da Comunidade Europeia.

Para que fosse possível a criação da patente comunitária, a Comunidade Europeia, como entidade detentora de personalidade jurídica de Direito Internacional, deveria tornar-se membro da Convenção de Munique. A Comunidade teria, então, estatuto equivalente ao de um membro aderente a uma convenção internacional, de modo que qualquer requerente poderia obter uma patente aplicável em toda a Comunidade. A concretização da regulamentação careceria, ainda, da cooperação da Organização Europeia de Patentes, vez que seria necessária revisão do texto da Convenção para que o Instituto Europeu de Patentes passasse a conceder também patentes comunitárias. Note-se que a Comissão já obteve um mandato de negociação do Conselho de Ministros da Comunidade Europeia para aderir à Convenção. As negociações teriam de garantir não só mecanismos para criar uma patente comunitária, mas também disposições que permitam introduzir posteriores alterações, mantendo uma relação de simbiose e a coerência entre o Regulamento e a Convenção de Munique.

 

2.3. A patente comunitária

 

A patente comunitária delineada pelo Regulamento teria caráter unitário e autônomo, produzindo os mesmos efeitos no conjunto da comunidade, sendo possível a concessão, transferência, licenciamento e anulação somente para o conjunto da Comunidade e estando sujeita ao Regulamento e aos princípios gerais do direito comunitário.

As disposições referentes às condições de concessão da patente, requisitos de patenteabilidade, critérios para o exame e procedimento para o pedido seriam aquelas determinadas pela Convenção de Munique, cuja análise caberia ao Instituto Europeu de Patentes.

A proposta de Regulamento explicita regras de limitação dos efeitos da patente comunitária, notadamente no que se refere a domínios especificados como atos realizados em âmbito privado e com fins não comerciais, além da não aplicabilidade dos direitos de patente ao uso anterior da invenção. Há também regras relativas a licenças compulsórias, que poderiam ser concedidas pela Comissão nos casos de ausência de exploração ou exploração insuficiente de uma patente comunitária, patentes dependentes ou situações de crise e extrema urgência.

A patente comunitária, assim como a europeia, teria duração de vinte anos contados a partir do depósito do pedido, podendo ter vigência anulada em caso de pagamento intempestivo das taxas.

Os motivos de anulação também seriam aqueles designados pela Convenção de Munique, no caso de o objeto da patente não ser patenteável, a patente não descrever a invenção de forma suficientemente clara e completa para que um perito na matéria a possa executar e o objeto da patente transcender o conteúdo do pedido. A anulação da patente teria efeito retroativo, salvo em respeito a sentenças já transitadas em julgado e executadas.

 

2.3. O Tribunal da Patente Comunitária

 

A proposta de Regulamento previa a criação de uma jurisdição comunitária de propriedade intelectual centralizada e especializada, para garantir unicidade de interpretação da lei em toda a Comunidadee coerência jurisprudencial. O Tribunal que seria criado incluiria uma primeira instância e uma instância recursal e teria competência exclusiva para dirimir os litígios respeitantes à validade e contrafação, decretando sanções e atribuindo indenizações por dano. Os demais processos relativos à patente comunitária, como ações relativas ao direito à patente entre empregador e empregado (por exemplo compensação concedida ao inventor e invenções de assalariados) e ações relativas à execução forçada da patente comunitária seriam da competência dos tribunais nacionais.

No quadro jurisdicional comunitário a criação do Tribunal da Patente Comunitária (TPC), ao invés da utilização dos já consolidados Tribunal de Primeira Instancia das Comunidades Européias e Tribunal de Justiça Europeu se justificaria por se tratar de uma área jurídica muito especializada, na qual os processos exigem uma intervenção célere. Tendo em vista o enorme volume de trabalho destes Tribunais já existentes, propunha-se instaurar um sistema que, para determinadas matérias institucionais, aja em paralelo com o Tribunal de Justiça Europeu. A base jurídica para a criação do Tribunal da Patente Comunitária se encontraria nos termos do artigo 256º-A do Tratado da UE.

 

2.4. O Regime Linguístico

 

O regime linguístico referente ao sistema comunitário de patentes delineado teria como princípios a acessibilidade dos custos, a segurança jurídica e a não-discriminação. Este é um dos pontos mais controversos, dado que apesar de grande parte dos custos da patente europeia advirem dos custos com tradução, os Estados membros são relutantes em abdicarem de sua “exclusividade” linguística, respaldados inclusive pela política oficial de pluralismo linguístico da UE. 

De acordo com a proposta, o requerente deveria apresentar o pedido em uma das três línguas oficiais do Instituto Europeu de Patentes (francês, alemão e inglês). No momento da concessão a publicação ocorreria na língua apresentada, cabendo apenas a tradução das reivindicações nas outras duas línguas oficiais. A patente comunitária seria válida em todos os países da Comunidade sem necessidade de qualquer outra tradução.

Esse regime linguístico conseguiria, portanto, simplificar o processo e diminuir grande parte dos custos para a obtenção de patentes, tornando o sistema inclusive mais democrático e menos excludente.

 

3. CONCLUSÃO

 

3.1. Estágio atual: da patente comunitária à patente unitária

                           

Desde a apresentação da Proposta de Regulamento sobre a Patente Comunitária pelo Conselho em 2000, as negociações foram explicitando certas dificuldades no consenso entre os Estados membros, que foram sendo discutidas ao longo da última década e explicitados através de “acordos parciais”, compromissos entre certos Estados sobre a questão linguística, custos e interação com a Organização Européia de Patentes. Tais compromissos não possuiam, contudo, força vinculante, sendo apenas um “termômetro” para a possibilidade de sucesso ou fracasso da adoção do sistema comunitário de patentes.

No fim de 2006 foi submetido à consulta pública o documento Ações futuras em política de patentes para criar um sistema comunitário de proteção da Propriedade Intelectual, que mostrou amplo apoio à idéia de patente comunitária por parte dos diversos setores, principalmente pelas indústrias. 

A discussão foi retomada nos últimos anos, com a intensa pressão dos setores interessados. Ao final de 2010 foi verificada, contudo, a continuidade de dificuldades intransponíveis, principalmente relacionadas ao regime de tradução, que impossibilitariam a unanimidade nesta disciplina, necessária à conclusão de um acordo final sobre a proteção de patente unitária na União Europeia. Esta situação abriu espaço à um pedido de cooperação reforçada, instrumento de direito comunitário que permite o avanço na unificação de áreas específicas por parte dos Estados membros, em situações nas quais é impossível o avanço em conjunto por todos eles através da comunitarização normativa.

Vinte e cinco Estados – todos os membros com exceção de Espanha e Itália - enviaram à Comissão em Dezembro de 2010, o pedido para instituição de um regime de cooperação reforçada entre si no domínio da criação da proteção da patente unitária, baseada nas propostas para a patente comunitária já existentes e apoiadas por eles durante as negociações.

A cooperação reforçada foi aprovada através da Decisão 2011/167/UE do Conselho, de 10 de Março de 2011, com prévia autorização do Parlamento Europeu, e se trata da segunda oportunidade de cooperação reforçada aprovada na história da União Europeia. Esta aprovação somente foi possível por estarem preenchidas as condições estabelecidas no artigo 20º do Tratado da União Europeia e nos artigos 326º e 329º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Isto pois, segundo o Conselho, (i) trata-se de um dos domínios abrangidos pelos Tratados; (ii) trata-se do último recurso para unificação da matéria – vez que foi registrado na sessão do Conselho de 10 de Novembro de 2010 que o objetivo da patente comunitária não poderia ser alcançado num prazo razoável pelo conjunto da União; (iii) a matéria não figura na lista de competências exclusivas da União, sendo que a base jurídica para a criação de direitos de propriedade intelectual europeus está no artigo 118º do TFUE, uma das competências partilhadas da União e (iv) a cooperação reforçada no domínio da criação da proteção de patente unitária respeita os Tratados e o direito da União e não prejudica o mercado interno ou a coesão económica, social e territorial.

O preâmbulo da Decisão do Conselho esclarece que será estabelecido um regime de transição até se alcançar o regime unitário, e explicita algumas regras relativas ao regime linguístico, que mais uma vez evidenciam se tratar de um aspecto problemático da questão. O regime de tradução deverá manter a possibilidade de as reivindicações de patentes serem apresentadas ao Instituto Europeu de Patentes em qualquer língua da União e garantir a compensação pelos custos associados à tradução de reivindicações apresentadas numa língua que não seja oficial do Instituto. A patente com efeito unitário deverá, pois, ser concedida apenas numa das línguas oficiais do Instituto, conforme prevê a Convenção sobre a Patente Europeia.

É também garantido aos demais membros não participantes da cooperação o acesso ao regime a qualquer tempo, desde que concordem com os compromissos acordados até a data, o que tende a atenuar a impressão de fracasso da patente europeia. Ainda segundo o preâmbulo da decisão, esta cooperação reforçada deverá proporcionar o enquadramento jurídico necessário para a criação da proteção de patente unitária nos Estados-Membros participantes e assim assegurar às empresas de toda a União a possibilidade de melhorarem a sua competitividade, bem como a contribuição para o progresso científico e tecnológico, favorecendo assim os interesses da União e reforçando o seu processo de integração.

Embora o texto assim preveja, cabem questionamentos acerca de um potencial enfraquecimento do direito comunitário face à disciplina, bem como sobre a utilização deste regime como instrumento de forte pressão sob os Estados não participantes. É necessária também a reflexão acerca da real distribuição dos benefícios potenciais da patente unitária entre os diferentes Estados e agentes econômicos, face à análise dos ganhos da União Europeia em sua totalidade. São estes questionamentos a serem respondidos a partir da realidade fática de implementação da patente unitária, e que merecem atento acompanhamento pelos estudiosos da Propriedade Intelectual e do Direito Internacional.

 

4. BIBLIOGRAFIA

 

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COMISSÃO EUROPÉIA. Livro Verde sobre a patente comunitária e o sistema de patentes na Europa, de 24 de junho de 1997 [COM(97) 314final - Não publicado no Jornal Oficial]. Disponível em 23 de setembro de 2012 no endereço eletrônico http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!DocNumber&lg=pt&type_doc=COMfinal&an_doc=1997&nu_doc=314

 

COMISSÃO EUROPÉIA. Uma Política Comunitária para a instituição da patente comunitária no contexto de uma revisão da convenção sobre a patente européia. Non-paper (documento oficioso). Disponível em 23 de setembro de 2012 no endereço eletrônico http://ec.europa.eu/internal_market/indprop/docs/patent/sec01-744_pt.pdf

 

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COMISSÃO EUROPÉIA. Future Patent Policy in Europe, Report of Public Hearing, de 12 de julho de 2006. Disponível em 23 de setembro de 2012 no endereço eletrônico http://ec.europa.eu/internal_market/indprop/docs/patent/hearing/preliminary_findings_en.pdf

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Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Intelectual (Paris Convention for the Protection of Industrial Property), de 20 de março de 1883. Disponível em 23 de setembro de 2012 no endereço eletrônico http://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris/

 

GONÇALVES, Cidália Maria de Jesus. Patente Comunitária: para quando e como? Lisboa: Instituto Superior de Economia e Gestão ISEG, 2009.

 

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

 

PARLAMENTO EUROPEU. Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos dos Cidadãos. Resolução sobre o Livro Verde da Comissão sobre a patente comunitária e o sistema de patentes na Europa - Promover a inovação através das patentes (COM(97)0314 - C4-0342/97), de 19 de novembro de 1998. Disponível em 23 de setembro de 2012 no endereço eletrônico http://www.europarl.europa.eu/pv2/pv2?PRG=CALDOC&TPV=DEF&FILE=981119&TXTLST=1&POS=1&LASTCHAP=6&SDOCTA=7&Type_Doc=FIRST&LANGUE=PT

 

Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (Patent Cooperation Treaty- PCT), de 19 de junho de 1970. Disponível em 23 de setembro de 2012 no endereço eletrônico http://www.wipo.int/treaties/en/registration/pct/

 

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[1]              GUSTIN; DIAS, 2006, p. 109.

[2]                      Estatísticas oficiais da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Disponíveis no endereço eletrônico http://www.wipo.int/treaties/en/statistics/StatsResults.jsp?treaty_id=2&lang=en.

 

[3]          Destaca-se que o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeiatrouxe a União Europeia em substituição e sucessão à Comunidade Europeia, motivo pelo qual estudiosos costumam se referir ao “direito da UE”, em substituição ao direito comunitário. Nos filiamos àqueles que continuam a referenciar os institutos e o direito como “comunitário”, uma vez que diferencia daqueles resultantes dos países europeus- mas não necessariamente da UE- tal como é a patente européia. Ademais, evidencia o caráter histórico da iniciativa,  e explicita sua vinculação à comunidade de direito instituida através da União Europeia. Nesse sentido, a União Europeia constitui evolução histórica do processo de integração regional de caráter comunitário. 

 

[4]              GONÇALVES, 2009, p. 17.

[5]              Os Livros Verdes são documentos de reflexão publicados pela Comissão sobre um domínio de atividade específico. Trata-se, fundamentalmente, de documentos destinados às partes interessadas, organizações e particulares, chamadas a participar num processo de consulta e debate. Em alguns casos, podem dar origem a textos legislativos posteriores.

[6]              Islândia, Suíça, Mônaco, Liechtenstein e Turquia

Acontecimentos do ICI•BR | 06/09/2019

Evento Sobre Export Controls Encerra com Lançamento de "Collective Action"

O ICI.BR - Instituto de Comércio Internacional do Brasil realizou o evento EXPORT CONTROLS - discussões quanto aos impactos nas operações realizadas no Brasil - ontem (05/09) em São Paulo.

Clipping de notícias | 07/06/2018

Receita Federal abre Consulta Pública para atualização da (NBS) e suas Notas Explicativas (NEBS)

Versão 2.0 NBS e NEBS

Clipping de notícias | 30/05/2018

Novo módulo de exportação do Portal Único de Comércio Exterior

Módulo LPCO – Licenças, Permissões, Certificados e outros documentos, mais uma novidade do processo de exportação.

Acontecimentos do ICI•BR | 23/05/2018

GREVE DOS FISCAIS ADUANEIROS - 12ª Reunião do Comitê Técnico do ICI.BR - Curitiba

Realizamos no dia 23/05/2018 a 12ª Reunião do Comitê Técnico do ICI.BR, tratando da Greve dos Fiscais Aduaneiros, contando com a presença de 40 participantes em nosso auditório em Curitiba.

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